A castração de animais de companhia é um tema cercado de dúvidas e, muitas vezes, mal compreendido. Frequentemente, percebo que seguidores e clientes interpretam erroneamente minha posição sobre o assunto.
Não sou contra a castração, desde que seja bem indicada e que seus benefícios e possíveis impactos sejam cuidadosamente avaliados. Essa deveria ser uma discussão aberta — tanto nos consultórios quanto nas universidades — e não um tabu.
De maneira geral, há mais indicações favoráveis à castração de fêmeas do que de machos, especialmente no controle populacional. Aqui, trago algumas delas, mas cada caso deve ser discutido entre tutor e veterinário durante uma consulta.
1. Contexto Domiciliar
Cadelas que têm acesso livre à rua ou convivem com machos não castrados, sem possibilidade de separação, devem ser castradas (ovariohisterectomia).
Ainda que a histerectomia poupadora de ovários seja uma alternativa interessante, ela não impede o cio nem o comportamento reprodutivo. Isso pode resultar em estresse, brigas, ferimentos e risco de transmissão de doenças. Nessas situações, a castração tradicional continua sendo a melhor escolha.
2. Pseudociese (“Gravidez Psicológica”)
A pseudociese é um quadro hormonal e comportamental, geralmente transitório e autolimitado. No entanto, algumas cadelas apresentam episódios intensos e recorrentes, exigindo intervenção.
Quando não há boa resposta aos tratamentos disponíveis (alopáticos ou homeopáticos), a castração pode ser considerada.
Se o quadro persiste por mais de 3 a 4 semanas, é importante investigar um possível cisto ovariano persistente por meio de ultrassonografia.
3. Tumores de Mama
Nem todos os tumores mamários podem ser prevenidos pela castração precoce (antes da maturidade sexual). A relação entre castração e a redução da ocorrência desses tumores não é tão robusta quanto muitos acreditam. .
Após a retirada de um tumor mamário, é essencial uma análise imunohistoquímica. Se houver expressão de receptores para progesterona e/ou estrogênio, a castração pode trazer benefícios no prognóstico da paciente.
4. Outras Doenças do Sistema Reprodutor
A castração é o tratamento mais indicado para diversas doenças do aparelho reprodutivo, como:
Piometra – Infecção uterina grave, com alto risco de complicações.
Tumores uterinos, cervicais e ovarianos – Frequentemente associados a fatores hormonais.
Hiperplasia e prolapso do assoalho vaginal – Embora transitórios, podem ser recorrentes e extremamente incômodos para a cadela. A castração previne sua reincidência.
5. Possíveis Consequências da Castração Precoce em Cadelas
Embora a castração traga benefícios em determinados casos, quando realizada precocemente — antes da maturidade sexual — pode aumentar o risco de diversos problemas de saúde. A remoção precoce dos ovários interfere na produção hormonal, impactando o desenvolvimento ósseo, muscular, imunológico e metabólico da cadela.
Abaixo, algumas das consequências mais relevantes:
Maior Risco de Alguns Tipos de Câncer
Ao contrário da crença popular, a castração precoce não elimina o risco de câncer e pode, na verdade, aumentar a probabilidade de certos tumores como:
- Hemangiossarcoma (baço e coração): Risco aumentado em cadelas castradas precocemente.
- Linfoma: Estudos indicam maior incidência em cadelas castradas antes do primeiro cio.
- Osteossarcoma (câncer ósseo): Maior prevalência em cães de grande porte castrados jovens.
Motivo: a ausência precoce de hormônios sexuais pode influenciar mecanismos de regulação celular, aumentando a vulnerabilidade a neoplasias agressivas.
Vagina Infantil e Problemas Urinários
Cadelas castradas antes da puberdade podem apresentar desenvolvimento incompleto do trato reprodutivo, levando a:
- Vagina infantil – A mucosa vaginal fica mais fina e propensa a irritações e infecções.
- Incontinência urinária – A falta de estrogênio afeta o tônus do esfíncter uretral, aumentando o risco de vazamento urinário, especialmente em raças grandes.
- Infecções urinárias recorrentes – O subdesenvolvimento da uretra pode predispor a infecções crônicas.
A incontinência urinária pode surgir anos após a castração e, em alguns casos, exige medicação contínua.
Problemas Ortopédicos e Osteoarticulares
O estrogênio desempenha um papel fundamental no fechamento das placas de crescimento ósseo. Sem ele, os ossos continuam crescendo por mais tempo, resultando em proporções corporais alteradas e maior predisposição a lesões.
Riscos associados à castração precoce:
- Displasia coxofemoral – Maior incidência em cães de grande porte castrados antes do fechamento das epífises ósseas.
- Ruptura do ligamento cruzado cranial (RLCCr) – A falta de hormônios pode afetar a estabilidade articular, aumentando o risco de rompimentos ligamentares.
- Artrite precoce – O crescimento ósseo prolongado pode levar a desalinhamentos articulares e sobrecarga nas articulações.
Cães de raças grandes e gigantes são especialmente vulneráveis a esses problemas.
Alterações Comportamentais
A castração precoce pode influenciar o comportamento da cadela, pois os hormônios sexuais estão envolvidos no desenvolvimento neural e emocional.
- Maior predisposição à reatividade e medo – A falta de exposição natural aos hormônios sexuais pode levar a insegurança e respostas exageradas a estímulos.
- Aumento do risco de agressividade territorial e ansiedade – Diferente do que muitos pensam, a castração não resolve todos os problemas comportamentais e pode até agravá-los, dependendo do caso.
O impacto no comportamento pode variar entre indivíduos, mas deve ser considerado antes da decisão.
Conclusão
A castração precoce não é isenta de riscos e deve ser avaliada com critérios individualizados. Para algumas cadelas, o ideal pode ser postergar o procedimento até a maturidade sexual (especialmente em raças grandes), garantindo um desenvolvimento ósseo e hormonal mais equilibrado.
👉 A melhor abordagem é sempre personalizada. Converse com um veterinário de confiança para entender qual o momento ideal para castrar sua cadela, considerando sua saúde, porte, raça e estilo de vida.